03 novembro 2015

Passado, presente e futuro

Não te metas nisso, disse-me ele.
Porque não? Sabes que quero seguir investigação, este é o passo lógico, um dos únicos possíveis em Portugal, respondi eu.
Mesmo assim, não o faças. Acredita quando te digo que o doutoramento pode ser uma das maiores provas de resistência, física e psicológica, insistiu ele.
Está bem, está bem, vou pensar nisso, leia-se, não me apetece falar mais do assunto, eu fico na minha, tu na tua.

Raios te partam por teres razão. 

Na altura pareceu-me um exagero. Não havia assim tantos a seguir esse caminho, as histórias eram difíceis, mas não impossíveis. E com aquela ingenuidade que nos caracteriza, acreditamos sempre que connosco vai ser diferente. Somos especiais, claro. Vamos fazer tudo direitinho, somos fortes, prendados, e persistentes. Vamos ter sorte.
E até tive. Uma bolsa, um trabalho interessante. Resultados que apareceram, não de repente, mas com tempo e dedicação. Meses sem nada, a tal "resistência", posta à prova. Tudo feito nos 4 anos da praxe, mais um para a escrita da tese. Parecia perfeito. Mas já não era.
Temos de patentear os resultados.
Certo, parece-me bem, mas sendo assim não posso publicar. Nem ir a congressos. A faculdade aceita uma defesa sem publicações? E confidencial? Não, não aceita. Então temos de andar com isto. Patente, artigos, congressos, defesa.
Isso demora?

Demorou. Muito. Meses passaram a anos. Revisões de patente, revisões de artigos, advogados e referees para trás e para a frente. Apresentações em congressos. Simultaneamente, novos trabalhos, porque o dinheiro para comer também faz falta. Com a primeira parte resolvida, começam os problemas burocráticos. Após tanto tempo como se resolvem as questões da inscrição e defesa? Mais uns meses, requerimentos, advogados. Incredulidade de quem conhece a história e de quem não conhece também.
Mas tu ainda não desististe? Nem partiste a cara a ninguém? Eu já teria dado em maluco/a.
Sim, estou muito menos sã do que quando comecei. Aquela piada do significado de "PhD"? "Permanent head damage"? Sou eu, tal e qual. Mas desistir? Não me ocorreu. Criei resistência. Adaptei-me ao peso do problema. Continuei a insistir ei, lembram-se de mim? Quero resolver isto.

Anos depois, chegada aqui, a este momento, com data marcada, sinto-me estranha. Incrédula, talvez? Ou será apenas por já não saber caminhar sem esta pedra no bolso? E se depois ficar tão leve que qualquer aragem me deite abaixo?

Raios te partam por teres razão.

12 comentários:

  1. Afinal mostraste que um rato não é o 1º a abandonar o navio :P

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    1. Obrigada, mas a justificação é simples. Um rato que seja simultaneamente o capitão do navio, será sempre o último a abandoná-lo. Não foge às responsabilidades... a não ser que seja o capitão do Costa Concordia :p

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    2. loooool
      Neste caso, a tripulação do navio é de apenas 1: o capitão, que é rato ao mesmo tempo e também é navegador :P

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    3. Verdade. E por esse mesmo motivo, o abandono do navio pode originar uma espécie de paradoxo quântico... a ciência tem dificulade em explicar que os "últimos sejam os primeiros" :p

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  2. Não vais ser levada pelo vento e nenhuma aragem te vai deitar abaixo, vais voar com as tuas próprias asas.

    Parabéns pah! És oficialmente uma morceguita (rato com asas) toda jeitosa! :D

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    1. Gostei tanto da analogia das asas! Obrigada Cusca, foi das coisas mais bonitas que já ouvi, ou li, neste caso :)
      Até corei aqui um bocadinho...

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  3. Dji nada :D tudo por quem leu o Monte dos Vendavais! (ou dos ventos uivantes como já vi por aí)

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    1. Irmãs de leitura :D
      (sim, também já vi, pensei que seria a tradução para português do Brasil... para mim é, e será sempre, Monte dos Vendavais :))

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  4. Força Sci, estás mesmo a chegar à "meta"!
    Eu ainda estou no caminho e conheço bem a sensação do "há dias que dá vontade de mandar tudo pelo ares" e "há dias que dá vontade de levar tudo à frente", mas desistir nunca é opção!
    Beijinhos :)

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    1. Obrigada Nina! Confesso que ainda me custa a acreditar que vai mesmo acontecer!
      Quanto ao teu percurso, muita força nisso e, de vez em quando, ou as vezes que forem precisas, disparata um bocado. São esses momentos de alívio que depois nos dão força para continuar ;)
      Beijinhos para ti também :)

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  5. Boa sorte :). Está mesmo mesmo no fim, já vês a luz ao fundo di túnel!

    4 anos depois (e ainda em processo "literário") é mesmo verdade que é uma prova tremenda de resistência, principalmente psicológica. Não foi à toa que fiquei com uma mancha de cabelos brancos antes dos 30 ;).

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    1. Obrigada! Sim, raio do túnel que nunca mais acabava, mas agora está mesmo a chegar ao fim :)

      Boa sorte também para ti e para a tua jornada! Mantém essa resistência ;)

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