06 julho 2015

Momentos embaraçosos

Tenho muitos por onde escolher... mas este invade-me a memória sempre que penso em férias (todos os dias, portanto e principalmente agora). Uma vez que se trata de uma lembrança que ainda tem o poder de me corar as bochechas, é uma boa candidata a esta tentativa falhada de catarse.

Assim, há muito, muito tempo, voltei eu de umas longas férias num país tropical. Um mês lá fora, uma mala cheia de tralha, roupa enfiada às três pancadas, queria lá saber, já só chorava pela minha casinha, pelo meu país pacato onde não ouvisse tiros durante a noite, nem assistisse a assaltos à mão armada. Mais de 24 horas passadas entre aviões e aeroportos não me afectaram a alegria de chegar, ouvir a minha língua, de me sentir finalmente segura, de volta à civilização. Nem sequer o meu estado desgrenhado e nada fresco, exacerbado pelo banho de Coca-Cola que uma hospedeira assistente de bordo, comissária ou o raio do termo politicamente correcto, me tinha dado de forma tão prestável. Ou o facto de tresandar a rum, obséquio de uma garrafa partida na bagagem de mão. A alegria só começou a esmorecer enquanto esperava pela mala. Quando a passadeira parou e fiquei ali, com ar de cão abandonado, de patas mãos vazias. 

E começaram as diligências. Reclamações para aqui e para ali, lá informaram que eu tinha apanhado o voo de ligação, mas a mala não. A prova de que 4 rodas nem sempre são mais rápidas que 2 pés. "Não se preocupe, a mala chega já no próximo avião, são mais 2 horas, pode esperar." Esperei, e esperei. Ela lá chegou, bem depois da hora estimada. Mas não vinha bem, coitada. A viagem revelou-se fatal. Esventrada, com o conteúdo a espreitar, quiçá algum não teria mesmo ficado pelo caminho. Fo***, mas que m***, fo*** a p*** da mala toda! Segue para mais uma reclamação, mais um tempo de espera, porque não, já estava a considerar fazer da Portela a minha nova casa.

Resolvidos todos esses pormenores, preparo-me finalmente para sair, qual fénix renascida, em direcção às portas automáticas, por fim livre! Era, não era? Pois, não foi. Sem carneiragem para me proteger na saída, fui vítima do tédio do senhor da alfândega. "Então, não tem nada a declarar?". "Não, nada". "Mas vem de onde? Não é da Europa, pois não? Ahh, América Latina? Ponha aqui a malinha, ponha". Hein?? Ah, está a referir-se aos restos mortais da mala? Eu sei que estou com mau aspecto, cheiro a rum, e venho de um país que faz fronteira com a Colômbia, mas ar de janada?? Naquele instante achei que tinha atingido o expoente máximo da humilhação, e fosse a mala um bocadinho maior, e estivesse um bocadinho mais intacta, tentaria esconder-me lá dentro. Mais uma vez, estava enganada. Porque bonito mesmo foi a vistoria da dita, com o passar da minha roupa interior pelos mãos do funcionário, colocada no tapete e alguma no chão à volta, culminar com a chegada de um voo cheio, cujos passageiros por ali ficaram, curiosos com a situação, observando de perto a desgraçada com ar de pelintra, a tresandar a álcool, rodeada por lingerie elegante. Personagem essa que, 6h após aterrar, conseguiu finalmente rastejar para fora do aeroporto, em busca de um buraco onde se esconder.

14 comentários:

  1. Ahahahahaha ... desculpa, mas a situação faz rir! Já passei pela seca da mala, mas nunca tive os funcionários a remexer nas "entranhas" da malinha!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu sei, agora também já me dá para rir do sucedido ;)
      Pois, no meu caso, remexeu e revirou, tirou cá para fora, espalhou... e depois ainda me deixou a bela seca de "arrumar" tudo novamente!

      Eliminar
  2. Rezo a Alá para que isso não me aconteça entretanto... É que não gosto nada quando as pessoas espreitam a minha lingerie elegante.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ahahaha, está bem, está bem... Eu sei que é parvo, mas na altura tinha de pensar em alguma coisa para me consolar, e naquelas condições o melhor que se arranjou foi "pelo menos não trago para aqui a roupa interior da minha avó, ou algo que se pareça com trapos de limpar o pó"

      Eliminar
  3. Foca-te apenas na ideia "lingerie elegante". É a única coisa que interessa, para que não ruborizes mais. Imagina tudo isso, com lingerie escafiada. Isso sim, era de emigrares de volta, lá para de onde estavas a regressar.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sem dúvida. Quando as avós nos alertam para a necessidade de trazer sempre roupa interior apresentável no caso de acidente, deviam incluir a adenda "e também no caso de um desconhecido da alfândega estar a falar contigo, com a tua lingerie na mão".
      (não é uma situação nada confortável, não... assim, a seco, sem nem sequer oferecer um jantar ou café primeiro, não se faz :p)

      Eliminar
    2. "Assim, a seco", é tão "Bicha do demónio" :D

      Eliminar
    3. "Aiii credoooo mulheriii", nem me tinha apercebido... "valha-me Santa Pechenica!" :D

      Eliminar
    4. "Metam-se no primeiro buraco que encontrarem!" :D

      Eliminar
    5. "Ó 'pariga", o que tu me foste lembrar! Agora tenho de ir ver isso tudo outra vez :D

      Eliminar
    6. Eu faço temporadas, enquanto toda a gente vê "Breaking bad" e cenas :D

      Eliminar
    7. E fazes tu muito bem. Eu também prefiro isto a muitas das "cenas" que toda a gente vê agora ;)

      Eliminar
  4. Deste relato, apenas retenho a garrafa de rum partida e que ninguém bebeu. Paz à sua alma.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Amen. Teve um fim corajoso, executando a tarefa mui nobre de me perfumar...
      (apesar de tudo, uma outra sobreviveu na mala do porão, tendo sido bebida em honra da sua irmã, falecida em combate)

      Eliminar